A Pocariça conta, desde Junho de 2006, com uma Associação que tem como objectivo primordial ajudar. A Associação Padre Manuel António Marques, fundada pelas sobrinhas do pároco já falecido, tenta prestar auxílio a todos quantos lhe batem à porta. As vidas de Nilson e Nelson, gémeos são-tomenses que sofrem de elefantíase, foram as mais recentes a ser tocadas pelos gestos solidários deste grupo de pessoas.Não foi a Pocariça que viu nascer o Padre Manuel António Marques, mas foi lá que viveu e foi pároco durante mais de 60 anos, até à sua morte. Guiadas pelo desejo de perpetuarem o seu legado, duas irmãs, sobrinhas do Padre, decidiram criar a Associação Padre Manuel António Marques – Associação de Beneficência, Cultural e Cívica, constituída por escritura pública a 9 de Junho de 2006. “Ele foi uma pessoa muito considerada por todos, uma figura muito querida na freguesia da Pocariça e no concelho de Cantanhede”, justifica Maria da Conceição, directora da Associação. “Guiamo-nos pelas directrizes que ele nos deixou, nós e aqueles que com ele conviveram. Esta é uma maneira de perpetuar a sua memória e seguir o seu exemplo”, acrescenta a sobrinha do pároco.

São várias as vertentes em que o trabalho de Maria da Conceição e Maria de Fátima, bem como de todos os outros elementos e sócios que integram a Associação, se tem consubstanciado, nomeadamente no envio de dois contentores repletos de bens para S. Tomé e Príncipe, o primeiro em Abril de 2008, o segundo há menos de um ano, em Outubro de 2010. “Ajudamos qualquer pessoa que nos procure, ou que saibamos que esteja em dificuldades. Tentamos sempre ajudar, seja de que forma for. Se é preciso uma cama, fazemos por arranjar uma cama; se for um frigorífico, também há-de aparecer algum”, assegura Maria de Fátima.

Os beneficiados pela generosidade desta Associação não são todos da Pocariça, nem sequer de Portugal, já que muito do que estas irmãs têm conseguido reunir tem tido como destino África, em concreto um dos países mais pobres do mundo: S. Tomé e Príncipe. Foi em 2005, numa viagem de comemoração dos 25 anos de casamento de Maria de Fátima, que as sobrinhas do Padre Manuel foram, pela primeira vez, ao pequeno arquipélago, em tempos território português ultramarino. “Vimos tanta miséria, tanta pobreza, que quando regressámos decidimos juntar um grupo de amigos e criar a Associação. Fomos às roças, conhecemos a realidade daquele povo, e não conseguimos ficar indiferentes”, confessa Maria de Fátima.

Coisas a que já não damos valor, como umas panelas de alumínio que estiveram para não seguir no contentor, fazem toda a diferença por lá: “Demos a panela a um senhor que ficou de tal forma feliz, disse que finalmente ia ter onde cozinhar para a mulher, que estava doente. Nós nem sabíamos bem o que dizer”. “São coisas que marcam”, asseguram. O sorriso nos lábios de um agricultor, as lágrimas de alegria nos olhos de uma criança que finalmente tem um brinquedo só seu. São estas as recompensas que as irmãs colhem de uma missão difícil, que a cada dia testa a capacidade de lidar com o sofrimento e a miséria, mas que tem, afinal, tanto de bom e de positivo.

“Quem dá, receberá! Quem se dá, receberá em abundância!”, reza o documento de apresentação da Associação. E Maria de Fátima e Maria do Céu têm levado esse lema a peito, mulheres que nas vidas pintadas a negro dos que convivem com a fome, a pobreza e a desolação, reúnem a força e a capacidade de entrega suficientes para nessas vidas, ainda que por breves momentos, fazerem brilhar as cores da esperança, do afecto e da dignidade. Nilson e Nelson, gémeos são-tomenses que padecem de elefantíase, são os mais recentes recipientes do auxílio da Associação [ver caixas]. “Ao fazer o bem, temos o bem connosco. É imediato!”.

Elefantíase: o que é?

A elefantíase é o nome comum pelo qual é designada a filaríase, uma doença infecciosa originada pelo protozoário Wuchereria bancrofi, vulgarmente designada microfilária. Este parasita, que tem no ser humano o seu hospedeiro definitivo, apresenta como hospedeiro intermediário o mosquito, que funciona como vector de transmissão, uma vez que o contágio directo, entre pessoas, não ocorre.

A microfilária infectante entra no organismo humano através dos vasos sanguíneos, dirigindo-se, depois, para os vasos linfáticos, Aqui ocorrem metamorfoses, diferenciando-se exemplares masculinos e femininos, verificando-se processos de reprodução sexuada. A detecção dos parasitas no sangue acontece, regra geral, entre seis e 12 meses após a infecção.

Embora alguns indivíduos permaneçam assintomáticos, surgem, recorrentemente, episódios de febre alta, cefaleias, cansaço, dores musculares, intolerância à luz e urticária. Nos casos de infecção crónica grave, pode surgir hipertrofia de algumas zonas afectadas, levando ao aumento acentuado do tamanho de algumas partes do corpo, alteração que é conhecida por elefantíase, decorrendo daí a designação vulgar da infecção.

O tratamento assenta principalmente na prevenção e educação sanitária, promovendo a erradicação do mosquito (Culex, Aedes ou Anopheles). Nalguns casos, os indivíduos infectados podem ser tratados através do recurso a drogas anti-parasíticas, nomeadamente dietilcarbamazina. Esta doença ocorre em regiões tropicais, tendo particular incidência no continente africano.

Em Coimbra, por uma vida melhor

Nelson e Nilson, gémeos são-tomenses que há vários anos sofrem de elefantíase, virão a Portugal, no próximo mês de Setembro, para uma consulta nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Foi em Outubro de 2010 que Maria de Fátima conheceu os jovens: “Lá estavam eles, com umas pernas enormes e um cheiro nauseabundo, que jamais esquecerei. Eram dois rapazes bonitos, mas completamente inválidos com aquela situação. Pedi para tirar fotografias, pois pensei ‘será possível que não se consiga fazer nada por estes miúdos?’”. Cá em Portugal foi falando com amigos, pensando no que poderia ser feito. O cônsul honorário de S. Tomé e Príncipe interveio, estando tudo a postos para receber os gémeos nos HUC, já no dia 23 de Setembro, para uma consulta de cirurgia plástica. “Há a possibilidade de que não seja necessário amputar as pernas. Isso é uma excelente notícia. Eles estão felicíssimos”, revela Maria de Fátima, partilhando a felicidade de Nilson e Nelson. As viagens vão ser pagas na totalidade por uma “amiga” da Associação, que se disponibilizou para tal. Este é um passo decisivo para os irmãos, que vêem nesta viagem a possibilidade de um futuro melhor, para lá da vergonha, da doença e do estigma social. | FC